sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

MOTORES DE DOIS TEMPOS - DIVERSIDADE DE TIPOS SOB UM MESMO NOME

*Adaptação do post  "Blue Cloud 2011- Os créditos pelo destacado 3=6", publicado no blog Carruagem sem Cavalo
Motor de dois tempos fabricado em 1905 - Fonte: Wikipedia

Os motores de dois tempos são motores de combustão interna a pistão que têm seu ciclo térmico efetivado em dois tempos mecânicos, onde tempo mecânico corresponde ao deslocamento completo de avanço ou recuo do pistão. O ciclo de dois tempos pode estar associado tanto aos motores de explosão como aos do tipo diesel. Também é importante destacar que na história existem dois tipos de motores de dois tempos a explosão, os sem compressão, anteriores aos motores de quatro tempos, e os com compressão, posteriores aos motores do ciclo Otto.



Os primeiros motores de combustão interna foram os motores de dois tempos sem compressão. Entre os inventores pioneiros que desenvolveram motores desse tipo estão a dupla de italianos Nicolò Barsanti e Felice Matteucci , o francês Etienne Lenoir e o alemão Nikolas Otto. Em termos de concepção mecânica, o motor desenvolvido pela dupla de italianos se assemelha muito ao de Nikolas Otto. Já o motor de Lenoir era construtivamente muito similar à máquina a vapor de duplo efeito.

Motor de dois tempos sem compressão de Barsanti e Matteucci - Fonte: Notthingham


Motor de dois tempos sem compressão de Otto e Langen - Fonte notthingam


Todos, entretanto, utilizavam ciclos que obedeciam a seguinte ordem:

  • No primeiro tempo, movimento de recuo do pistão, se sucediam duas fases; aspiração e explosão/expansão.
  • No segundo tempo, movimento de avanço do pistão, ocorria uma única fase, a de descarga ou escape.
Motor de dois tempos sem compressão de Etienne Lenoir - Fonte: Libraly


Devido a baixa eficiência que apresentavam, os motores de dois tempos sem compressão, também chamados de motores atmosféricos, foram rapidamente suplantados com o surgimento do motor de quatro tempos de Otto, muito mais eficiente.

Já os motores de dois tempos com compressão, tipo que ainda sobrevive em algumas aplicações, são posteriores aos de quatro e nasceram da vontade de seus inventores de produzirem motores eficientes a ponto de serem competitivos em relação ao motor de quatro tempos de Otto, que por força da patente concedida ao seu inventor, em 1876, por vinte e cinco anos, não poderia ser copiado.  
Vale registrar que, diferente do que foi prescrito, a patente de Otto só foi mantida por dez anos. No ano de  1886 foi revogada devido ao reconhecimento do trabalho anterior de Alphonse Beau de Rochas, que havia definido o ciclo teórico para o motor a quatro tempos já em 1862, ou seja bem antes de Otto construir seu motor

Com o grande sucesso comercial obtido pelo motor Otto, desenvolver um ciclo alternativo era algo muito atrativo, mas extremamente difícil. Pois, a receita do ciclo utilizado por Otto parece algo mais que intuitivo ou natural. Um motor alternativo onde se enche de mistura pelo recuo do pistão com uma válvula de admissão aberta, comprime a mistura ao avançar fechando as válvulas; inflama a mistura no ponto morto superior do pistão e aproveita o recuo do pistão com as válvulas fechadas para transformar a expansão dos gases em tempo motor; Novo movimento de avanço do pistão? Agora é só abrir a válvula de escape para se livrar dos gases queimados e recomeçar o ciclo.

Realmente, motor alternativo a combustão interna com compressão e ciclo de quatro tempos parecem ter sido feito um para outro. Não foi por acaso que essa configuração foi a primeira a surgir em obediência ao ciclo de Beau de Rocha e se tornar o modelo predominante desde o início até nossos tempos.

Mudar a receita, casando o ciclo das quatros fases de Beau de Rocha - admissão, compressão, explosão/expansão e escape - com dois tempos mecânicos (um de avanço e um de recuo do pistão) não parecia nada fácil. A história mostrou que realmente não era. Mas, com as restrições impostas pela patente de Otto o desafio estava lançado e, como sabemos, em resposta ao surgimento de grandes desafios sempre aparecem homens dispostos a vencê-los. Neste caso, pelo menos dois teriam grande êxito. Um deles ainda no período em que vigorou a patente de Otto. O segundo já depois da expiração.  Ambos se tornaram concorrentes de peso do motor de quatro tempos, graças a algumas vantagens competitivas evidenciadas em aplicações específicas. Entre as vantagens dos motores quatro tempos estão o menor número de peças móveis, melhor relação peso/potência, custo de produção menor e maior potência específica.

Motor de dois tempos com compressão de Dugald Clerck


O primeiro motor de dois tempos com compressão foi desenvolvido pelo Escocês Dugald Clerk, tendo sido apresentado em 1878. Clerk desenvolveu um motor com compressão no qual as quatro fases do ciclo de Beau de Rocha eram realizadas em apenas dois tempos. O "pulo do gato" de Clerk foi  injetar a mistura ar/gasolina sob pressão no cilindro, ao invés desta ser simplesmente aspirada. Para isso ele dotou seu motor de um cilindro adicional que funcionava como bomba, encarregada de injetar a mistura na câmara. As fases de enchimento e descarga foram fundidas em uma só, conhecida como lavagem. A entrada da mistura era feita por uma válvula direcional no cabeçote. A descarga feita por janelas na base inferior do cilindro. Apesar do cilindro extra, esse motor se apresentava com uma construção mais simples que o de quatro tempos devido a ausência de mecanismos de acionamento de válvulas e seus agregados. Apesar de ter perdido terreno para um tipo posterior de motor de dois tempos, a configuração do motor de Clerk é a base dos motores de dois tempos a diesel atuais, ainda bastante utilizados na área naval. Nesses motores, o cilindro extra foi substituído, em geral por um soprador de lóbulos rotativo.

Primeira versão do motor de dois tempos com compressão de Joseph Day - Fonte: Model Engine News


Versão aperfeiçoada do motor de dois tempos com compressão de Joseph Day - Fonte: Model Engine
 
Doze anos depois de Clerk apresentar seu motor, em 1890, portanto após a revogação da patente de Otto, Joseph Day apresentou  um motor que realizava praticamente as mesmas operações do motor de Clerk, mas com uma grande simplificação construtiva: se valia de uma configuração de cárter fechado, quase incomum na época, para realizar o trabalho de compressão da mistura a partir do movimento do único pistão do motor. Essa configuração permitiu sensível redução de peso, mas trouxe um novo problema a ser resolvido: o da lubrificação, já que o cárter não se prestava a armazenar óleo lubrificante. Day veio a resolver o problema misturando óleo lubrificante ao combustível, o que conferiu aos seus motores a emissão da fumaça azulada, a mesma que podemos perceber nas, outrora populares, motocicletas e ciclomotores dotadas de motores de dois tempos.

Versão seguindo o esquema de Joseph Day dos motores para automóveis fabricado pela DKW até a década de 1960 Fonte: Autoentusiastas


No motor de Day, a injeção da mistura no cilindro era feita por janelas semelhantes a de escape, situadas na mesma altura. Isso fazia com que em determinados regimes houvesse muita perda de mistura. Como efeito, esse motor era menos eficiente, consumia e poluía mais que o motor de Clerk, o que ofuscava suas vantagens competitivas de maior simplicidade construtiva e leveza. Mas, o surgimento de um novo arranjo nos fluxos internos de circulação de gases proposto pelo engenheiro Adolf Schnürle  diminuiu muito as perdas de mistura no motor de Day, melhorando substancialmente seu consumo. A partir daí o motor de Day passou a predominar entre os tipos de motores dois tempos a explosão. Já nos motores a diesel de dois tempos, a configuração utilizada sempre foi a desenvolvida por Clerk.

Motor de dois tempos conforme o esquema de Clark fabricado pela DKW para seus automóveis na década de 1930

Nas duas últimas décadas, a exigência de maior eficiência e o progressivo rigor das leis anti poluição, surgidas da preocupação com a preservação ambiental, forçaram a descontinuidade dos motores de dois tempos em muitas aplicações, devido a maior dificuldade em atender os restritos limites de emissão impostos, comparativamente aos motores de quatro tempos.
Na área automobilística, há alguns anos, já com a imposição dos restritos limites de emissão, a Orbital Engines desenvolveu um motor de três cilindros a gasolina com injeção eletrônica que prometia baixos índices de emissão e, rendimento e consumo melhores que os os de quatro tempos. Ford e BMW chegaram a instalá-lo experimentalmente em seus carros, mas não chegaram a produção comercial.
O jornalista Bob Sharp chegou a avaliar, na Inglaterra, um Fiesta com esse motor para a revista Quatro Rodas, edição de janeiro de 1993, e repassou boas impressões em seu texto.  Outro dia ele lembrou essa matéria no Auto Entusiastas em comentário a um post do Juvenal  sinalizando que "O único problema dos dois-tempos que os grandes da indústria pesquisaram foi a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx)".
Entretanto, ambas as configurações de motores de dois tempos - a de Day e a de Clerk - ainda sobrevivem. A de Clerk em mot
ores diesel, que continuam a potenciar grandes navios.  E a de Day, agora com injeção eletrônica, enfrenta em pé de igualdade o motor de quatro tempos no meio náutico. Também, recentemente, a espanhola Ossa lançou uma moto trail dois tempos, injetada, que promete ser bastante competitiva.


Enfim uma jornada que promete não acabar tão cedo.

FORD FIESTA COM MOTOR ORBITAL 2 TEMPOS - BOLA NA TRAVE
Avaliação do Fiesta 2T - na revista Quatro Rodas Digital em http://quatrorodas.abril.com.br/acervodigital/




VÍDEOS SOBRE O ASSUNTO DISPONÍVEIS NO YOUTUBE


 Motor de dois tempos sem compressão de Otto e Langen construído em 1867


Ilustração do funcionamento de um motor dois tempos  obedecendo o esquema de Joseph Day


Ilustração de um motor a diesel de dois tempos obedecendo o esquema de Dugald Clerk




Um comentário:

  1. O motor de Clerk, ao menos numa primeira olhada, chega a me remeter bem vagamente ao ciclo Scuderi.

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