domingo, 8 de novembro de 2015

AGRUPAMENTO DE CILINDROS NOS MOTORES DE COMBUSTÃO INTERNA DE MOVIMENTO ALTERNATIVO


Motor de 16 cilindros em V do Bugatti Veyron - Fonte: Blog "The Garage"

O motores de movimento alternativo são, ainda, os motores de combustão interna mais difundidos. Como falado no post anterior, atendem um amplo leque de aplicações, ciclos térmicos de funcionamento, faixa de potência, entre outros. Isso resulta em outra grande diversidade de concepções construtivas e arquiteturas.  Um dos pontos que chama a atenção na arquitetura dos motores alternativos é o agrupamento de cilindros, em geral idênticos, formando uma única unidade motriz.  Encontramos motores desde um - os monocilíndricos - até os de dezesseis cilindros ou mais - os multicilíndricos

Motores de um só cilindro apresentam maior simplicidade de construção e de manutenção, além de maior fiabilidade. Pois, quanto mais cilindros possui um motor proporcionalmente maior é sua complexidade construtiva e de manutenção. Outra consequência da multiplicidade de cilindros é o incremento direto do risco de falhas.  Entretanto existem diversas razões para produção de motores multicilíndricos. Entre as principais razões para se ter motores multicilíndricos podemos destacar os seguintes objetivos:
  • Adequação de dimensões e formato ao espaço de instalação
  • Existência para motores Otto de valor de deslocamento volumétrico por cilindro ideal
  • Melhor relação peso/potência
  • Menor nível de ruído e vibrações


O ARRANJO DE CILINDROS DEFININDO O FORMATO DO MOTOR

Existe uma grande variação de arranjos usuais de cilindros em motores comerciais, principalmente nos motores destinados aos transportes.  Os arranjos mais conhecidos quanto a disposição entre os cilindros são: os de cilindros em linha; cilindros em V; cilindros em disposição radial; cilindros opostos ( motores planos ou boxer); cilindros opostos com pistões duplos; e os de disco oscilantes, que resultam na disposição de cilindros tipo barril ou revolver.

Um dos principais fatores que guiam a escolha de arranjos é  a adequação do formato resultante ao espaço destinado a sua instalação, incluindo o espaço para reparo.  O tipo de arranjo também impacta outros características resultantes como a simplicidade construtiva e de manutenção, e a relação peso/deslocamento. A relevância de cada um desses fatores certamente norteará a escolha do arranjo em função dos requisitos da aplicação.

Como exemplos distintos podemos citar, de um lado, os motores de locomotivas, onde predomina a configuração de 16 a 20 cilindros em linha,  que resulta num formato estreito e longo, adequado ao espaço do veículo e que ainda contempla a simplicidade construtiva e de manutenção. Nessa aplicação, às desvantagens comparativas creditadas aos grandes motores em linha, maiores valores das relações peso/deslocamento e volume/deslocamento, não têm grande importância.

Do outro lado,  citaremos os motores radiais, bastante adequados a aplicação aérea. Tanto, que antes da popularização das turbinas a gás, esse tipo de motor imperava na aviação, apenas pequenas aeronaves utilizavam outros arranjos. O arranjo de cilindros radiais resulta em um formato de pequena profundidade e grande área frontal, bastante adequado à refrigeração a ar, por permitir a distribuição uniforme do fluxo de ar e o consequente equilíbrio de temperatura de funcionamento entre os cilindros.  Aliado a isso, a configuração resulta na menor relação de peso por deslocamento entre os arranjos usuais, características bastante desejáveis em aeronaves. Também, o espaço e a disposição característica da instalação dos motores nas aeronaves torna seu acesso para manutenção bastante adequado e fácil. Já em outras aplicações, sua grande área frontal e o espaço requerido para o acesso a sua manutenção se invertem em desvantagens, a ponto da configuração de cilindros radiais não encontrar nenhuma outra aplicação onde seja competitiva.


O DESLOCAMENTO POR CILINDRO IDEAL PARA MOTORES OTTO

Existe uma afirmação, ainda corrente, de que existe uma faixa de deslocamento volumétrico ideal para os motores do ciclo Otto ( ou Beau de Rocha) em relação ao rendimento térmico.  Essa faixa estaria situada entre 300 e 500 centímetros cúbicos. Entretanto, a cilindrada ideal por cilindro seria resultante de um amplo conjunto de variáveis de ordem práticas, incluindo, arquitetura do motor, características do combustível, sistema de alimentação e ignição.  Alguns autores discordam de que haja uma faixa determinada. Em breve escreverei um post a respeito do assunto.

A INFLUÊNCIA DO TAMANHO DO CILINDRO NA POTÊNCIA ESPECÍFICA

A potência específica, relação potência/deslocamento volumétrico, de um motor de deslocamento alternativo tende a cair  desfavoravelmente com o aumento do deslocamento volumétrico por cilindro. Em em proporção inversa, desde que se neutralize outros fatores de projeto que também influenciam, de forma determinante, a relação peso/potência. 

Diversos autores demonstram essa influência através da comparação entre motores aspirados de diversos tamanhos. E apesar do fato de que, em geral, motores de tamanhos muito afastados entre si atendem aplicações distintas e apresentarem características de projeto bastante diferenciadas, incluindo combustível a ser utilizado, essa influência fica evidenciada nos gráficos comparativos.

Charles F. Taylor em seu livro Análise dos Motores de Combustão interna¹ trata esse assunto com muita clareza e profundidade ao longo de dois volumes. Uma das exposições apresentadas em seu livro para demonstrar a variação da relação  potência/deslocamento em função do tamanho do motor é a comparação das características extensivas por cilindro entre dois extremos: um motor de aeromodelo movido a metanol e um grande motor diesel para aplicação em navios, ambos aspirados. A tabela abaixo reproduz os dados do livro de Taylor, mas, com as unidades de medida convertidos do sistema americano para o inglês.


Valores por cilindro Razões entre os dois motores

Motor diesel (M1) Motor modelo (M2) Razões (M1/M2) Razões (M2/M1)
Diâmetro 73,66 1,26 cm 58,7 0,017
Curso 101,60 1,31 cm 77,8 0,013
Deslocamento 434.257 cm³ 1,63 cm³ 268.995 0,0000037
Potência 710 HP 0,13 HP 5.461 0,00018
Rotação em potência máxima 164 rpm 11.400 0,014 67,07
Velocidade média do pistão 6,1 m/s 5,4 m/s 1,13 0,88
Potência por deslocamento 0,0016 HP/cm³ 0,080 HP/cm³ 0,019 48,78
 
Na tabela acima, com a compilação dos dados do livro de Taylor, podemos ver que a relação potência/deslocamento é  bem menor no motor maior. Essa relação se repete na comparação entre outros motores, podendo ser visto como um reflexo da existência de um patamar de velocidade média do pistão compartilhado pelos motores de combustão.
Por diversos motivos, motores de aplicação semelhantes tais como trabalho pesado, esportiva, aeronáutica tendem a ter velocidade média do pistão com valores comparáveis, independente do tamanho do cilindro. Com isso, a rotação de trabalho do motor está intimamente ligada ao valor do curso do pistão, numa proporção inversa.

Numa situação hipotética, abstraindo as mais diversas implicações práticas, o incremento do curso do pistão de um determinado motor resultaria em redução das rotações de trabalho. Já os valores de torque cresceriam na mesma proporção da ampliação do curso do pistão.  Interessante notar,  que o incremento de deslocamento volumétrico obtido exclusivamente pelo incremento de curso não resultaria em ganho de potência, vez que potência é um produto da força pela velocidade.

Por outro lado, lado se o incremento de deslocamento volumétrico fosse obtido pelo aumento de diâmetro, a rotação de trabalho seria mantida e o torque incrementado na mesma proporção, resultando em elevação de potência compatível com o incremento do deslocamento volumétrico.

Por razões práticas, existe sempre uma proporcionalidade entre diâmetro e curso dos motores, de forma que cilindros maiores implicam em cursos de pistão mais longos, o que se reflete em potências específicas menores. Por essa razão motores multicilíndricos são mais propensos a desenvolverem maior potência específica que os monocilíndricos de mesmo deslocamento volumétrico.

RELAÇÃO ENTRE NÚMERO DE CILINDROS E NÍVEL DE VIBRAÇÃO E RUÍDOS

Num motor de combustão de cilindro e pistão as forças internas que atuam são muitas, sendo as principais a de pressão dos gases, as de inércia das partes móveis alternativas e as centrífugas das partes rotativas. A interação dessas forças resulta em ruídos e vibrações da unidade  motriz.
Em um projeto de motor devem existir pelo menos duas linhas mestras de condução comprometidas com a contenção de ruídos e vibrações, são elas o balanceamento mecânico e a retificação cinética do ciclo térmico, ambas demandando grande esforço. O nível de dificuldade dessas duas componentes de projeto tem forte relação com o número de cilindros do motor, em tese, quanto maior for o número de cilindros menos complicado se torna o trabalho e melhor deve ser o resultado absoluto alcançado. Em outras palavras, quanto maior o número de cilindros de um motor para uma mesma cilindrada menor o nível de ruído e vibrações esperado, ainda que na prática outras diretivas possam contrariar tais expectativas.

BALANCEAMENTO MECÂNICO

Num motor de combustão de cilindro e pistão o balanceamento mecânico está relacionado a interação das forças de inércia das partes móveis alternativas e das forças centrífugas das partes rotativas. As principais forças de inércia são decorrentes da aceleração e desaceleração do pistão, biela e agregados impostas pela atuação do virabrequim na conversão do movimento linear em movimento de rotação. Tal interação de deslocamento rotativo e linear entre virabrequim e pistão gera momentos de força que variam em intensidade, sentido e direção,  atuando sobre seu centro de giro, o próprio virabrequim, que encontra seu ponto resistência útil nos mancais. Se considerarmos que num motor de ciclo Otto girando a 3.600 rotações por minuto, o pistão muda seu sentido de deslocamento 120 vezes em um segundo, podendo alcançar a velocidades lineares máximas de até 25 metros por segundo, veremos que mesmo num motor pequeno estas forças serão consideráveis.

Na concepção dos motores, o desenho do virabrequim contempla a compensação dinâmica dessas forças através da distribuição de massa  agregada ao longo do eixo de manivelas, de forma a atuar como contrapesos. Nos motores monocilíndricos tais contrapesos devem compensar quase toda a totalidade das forças geradas pelo movimento do pistão único. Já nos motores multicilíndricos o balanceamento mecânico é favorecido pelo cancelamento de forças de inércia que se dá com o movimento em sentido inverso entre pistões e agregados de cilindros diferentes o que resulta em menor necessidade de um volante pesado.

 RETIFICAÇÃO CINÉTICA DO CICLO TÉRMICO

Já a retificação cinética do ciclo térmico está relacionada com o comportamento da resultante de forças geradas pela variação de pressão dos gases durante a sucessão das fases do ciclo térmico. No encadeamento repetitivo das fases de admissão, compressão, expansão e escape, apenas a de expansão é tempo motor, ou seja produz força útil, enquanto as demais fases absorvem energia mecânica. Tal alternância tende a provocar variação da velocidade angular do eixo de manivelas ao longo da execução do ciclo térmico.
Um recurso, praticamente obrigatório, aplicado para minimizar esse efeito é a utilização de volante no eixo motor. Motores monocilíndricos requerem volantes relativamente pesados, com muita inércia, para amortizar as variações de aceleração/desaceleração do eixo motor durante o período correspondente a execução de um ciclo.

A multiplicidade de cilindros pode contribuir para redução da velocidade angular do eixo de manivelas durante a execução do ciclo térmico pela possibilidade de distribuição temporal dos tempos motores de cada cilindro. Para isso, as manivelas correspondentes a cada cilindro que compõe o motor devem estar estrategicamente defasadas entre si, de forma a garantir a ocorrência simultânea de diferentes tempos do ciclo térmico entre os cilindros. Com isso, a energia cinética requerida pelo cilindro ou cilindros que estiverem executando um dos tempos que absorvem energia (admissão, compressão e escape, no motor de 4 tempos) é compensada por uma fração da energia produzida no cilindro que se encontra no tempo motor (expansão). Como efeito, os volantes de motores multicilíndricos podem ter bem menos inércia, comparativamente a um motor monocilíndrico, o que favorece a capacidade de aceleração do motor. E quanto maior o número de cilindros de um motor menores serão a variação de velocidade angular do eixo motor durante a execução de um ciclo completo e a dependência do efeito de inércia do volante para manutenção de uma marcha suave do motor.

Um outro efeito positivo da multiplicidade do número de cilindros de um motor é a redução intrínseca do volume de gases envolvidos em cada ignição, o que se traduz em vibrações de menor amplitude para uma mesma potência de saída.

  GIFS ANIMADOS ILUSTRANDO OS TIPOS DE MOTORES

MOTOR MONOCILÍNDRICO

Motor monocilíndrico de 4 tempos - Fonte: http://moch.nicolas.free.fr/4t.php3


 ALGUMAS CONFIGURAÇÕES DE MOTORES MULTICILÍNDRICOS


Motores em linha

Motor 4 cilindros em linha - Fonte: How Stuff Works


Motores em V

Motor 6 cilindros em V - Fonte: How Stuff Works


Motores planos ou boxer

Motor plano 4 cilindros opostos - Fonte: How Stuff Works


Motores Radiais

Motor radial - Fonte: Site GrabCad



Motor de pistões opostos

Motor de pistões opostos - Fonte: Giphy



 Motor revólver ou barril

Motor tipo revólver ou Barril - Fonte: Site XS650



5 comentários:

  1. Muito bom, explanado de forma simples e direta.

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    1. Anônimo (6 de dezembro de 2015 12:54)

      Obrigado por sua visita e por registrar sua avaliação positiva.
      Abraço

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  2. Didático e muito bem ilustrado.Excelente conteúdo.

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  3. Motores radiais chegaram a ser usados também em alguns tanques de guerra.

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  4. Top.
    Deve ser bom no que faz !
    Parabéns

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