terça-feira, 14 de outubro de 2014

A APLICAÇÃO DA MÁQUINA A VAPOR AOS TRANSPORTES - O LONGO CAMINHO PERCORRIDO

Locomotiva Rocket. Fonte: Pinterest
Locomotiva Rocket. Fonte: Pinterest
* Atualizado em 12/03/2019

 

CENÁRIO

É inegável a importância da máquina a vapor durante o período da Revolução Industrial. Seu surgimento se deu a partir da necessidade do bombeamento de água nas minas de carvão mineral, como visto no post inicial sobre motores de combustão externa.

Vale salientar que o consumo por carvão mineral na Inglaterra - berço da revolução industrial - se intensificou  a partir do século XVI com a crise inglesa da madeira. Nessa época, a principal demanda por madeira como fonte energética era para o uso doméstico e se destinava ao aquecimento e cozimento. Outros usos menos representativos eram o emprego como fonte de calor na metalurgia, olaria e produção de vidro.


A escassez da madeira advinda da extração predatória e as consequentes reações contra o desmatamento incentivaram o uso do carvão mineral.  Nas minas, o bombeamento se fazia necessário para drenar a água e permitir extração de carvão em profundidades maiores.  O bombeamento manual era insuficientemente potente para ser compensador. Esse cenário incentivou a busca por uma nova força motriz.

A máquina de Savery foi a primeira resposta atrativa em termos práticos, tendo triunfado algum sucesso nos primeiros anos. Entretanto, sua concepção de câmaras sem partes móveis limitava sua aplicação unicamente para bombeamento de água.

Já a máquina de Newcomen, que veio a substituí-la, era dotada de cilindro e pistão, o que lhe permitia gerar movimento rotativo a partir de adaptações rudimentares, ampliando sua utilidade para os mais diversos fins, ainda que sua principal aplicação tenha continuado a ser o bombeamento de água.

Com os aperfeiçoamentos introduzidos nos anos seguintes, principalmente os creditados a James Watt, a máquina a vapor se tornou bem mais eficiente e atrativa. Por outro lado os novos meios de produção e organização social incrementaram em muito a demanda por uma nova força motriz que não tivesse as limitações da energia muscular, eólica ou hidráulica, Nesse cenário a máquina a vapor ganhou espaço nas fábricas e nas cidades, iniciando um reinado que perduraria por quase dois séculos como força motriz predominante.

Com a crescente mecanização dos meios de produção que caracterizou o início do período que viria a se chamar de Revolução Industrial, cresceu também a necessidade de meios de transporte mais eficientes para o escoamento da produção até os pontos de distribuição e consumo, gerando uma nova corrida  de inventores em busca de soluções.
Apesar de existirem desenhos de propostas anteriores, o primeiro veículo autopropelido construído de que se tem notícias foi a carruagem a vapor criada pelo engenheiro militar francês Nicolas Joseph Cugnot, em 1769 - mesmo ano em que James Watt conseguiu patente para sua máquina com condensador em separado. O veículo de Cugnot era destinado a rebocar peças de artilharia, podendo carregar até 4 toneladas.


Esboço da carruagem de Cugnot - Fonte: Wikipedia

 Pesada e ineficiente foi abandona após alguns anos de tentativas de aperfeiçoamentos. A descrição de David Burguess Wise publicada na série "Carros Famosos" deixa claro o principal problema a ser superado nos anos seguintes seria a produção eficiente de vapor:
"...Tratava-se de um enorme e incômodo veículo de três rodas com pesada caldeira pendurada por cima da única roda da frente, que era movida pela força de dois cilindros, um de cada lado, atuando as bielas dos pistões sobre catracas no cubo da roda. Este caminhão de Cugnot era destinado a rebocar peças de artilharia. Apesar de seu enorme tamanho, a caldeira não tinha capacidade suficiente para mover o veículo a uma velocidade razoável, não passando de 1 km por hora."
Réplica da carruagem de Cugnot. Fonte: Tecnología Automóvil



 ENTRANDO NOS TRILHOS

 Outras fontes, também apontam outro problema ligadas a baixa eficiência da época evidenciadas com o veículo de Cugnot como a necessidade de reabastecimento de água a cada 12 a 15 minutos e velocidade da ordem de 4 km/h, o que resultava em baixa autonomia. Ainda seria necessários muitos melhoramentos para o automóvel a vapor conquistar as ruas e estradas.  
Mas, antes do automóvel a vapor se tornar algo viável, uma nova invenção modificou o cenário dos transportes auto propelidos, foi a locomotiva sobre linha férrea. Nos trilhos, o motor a vapor encontrou uma nova aplicação bastante atrativa que teve grande impacto nas mudanças sociais.

Locomotiva de Richard Trevithick. Fonte: Enciclopédia Viva

A primeira locomotiva utilizando trilhos de ferros fundido surgiu em 1804, construída pelo inglês Richard Trevithick para transporte em uma mina de ferro. Trevithick apesar de ter sido pioneiro de uma forma de transporte que faria muito sucesso - o transporte sobre linha férrea - não teve muito êxito com as máquinas que ele próprio construiu. Relatos apontam que além da baixa velocidade alcançada - aproximadamente 8 km/h - havia ocorrência de avarias constantes na locomotiva e, por conta do peso excessivo dessa máquina sobre trilhos concebidos para  serem utilizados por carruagens tracionadas por cavalos, muitas quebras da própria linha férrea, com trilhos se partindo.

Aliás, a ideia de utilizar transporte sobre trilhos não era nova,  trilhos em madeira já eram utilizados desde meados do século XVI na Europa, principalmente em minas de ferro e carvão, mas em geral as composições eram vagonetas ou carruagens tracionados por homens ou animais. Haveria muitos aperfeiçoamentos ainda até que os trens se tornassem populares.

Apesar dos melhoramentos introduzidos por James Watt terem elevado, em muito, o rendimento, velocidade e a relação de potência por peso dos motores a vapor, impulsionando a difusão da máquina a vapor na indústria de forma rápida e abrangente, a ponto de revolucionar os meios de produção, a máquina a vapor não encontrou facilmente aplicação nos transportes.

Os maiores problemas dos veículos a vapor desenvolvidos na época era a baixa relação peso/potência, a demora para se por o veiculo em marcha e a necessidade de abastecimento de água em curtos períodos. O que resultava em baixa velocidade, autonomia reduzida e necessidade de extensa estrutura de suporte para reabastecimento, além de tempos de imobilização e espera indesejáveis durante as viagens de médias e grandes distâncias.

Instigados pela percepção da necessidade urgente de meios de transportes mais eficientes para atender a movimentação de passageiros e mercadorias, investidores passaram a financiar inventos destinados a aplicação da motorização nos transportes.

Locomotiva Rocket de George Stephenson. Fonte: A Origem das Coisas

Uma das invenções que contribuiu com grande destaque para a popularização da motorização a vapor nos meios de transporte foi apresentada em 1829. em uma competição destinada a incentivar o aperfeiçoamento das locomotivas. A competição definiria qual construtor iria fornecer as locomotivas para operar uma nova linha de passageiros e carga entre  Liverpool e Manchester. A modalidade escolhida foi uma corrida entre as locomotivas que participariam da proposta de aquisição.  A locomotiva do construtor inglês George Stephenson, a Rocket, deixou literalmente as outras comendo poeira, vencendo com o percurso com um vantagem assombrosa para a época, atingindo velocidades médias em torno de 30 km/h.

Um dos grandes aperfeiçoamentos da Rocket, e maior responsável pela vantagem competitiva, foi a configuração de sua caldeira, que viria a se tornar padrão na produção de vapor. Até então as caldeiras se assemelhavam com grandes panelas de pressão que recebiam calor pela superfície externa inferior. A Rocket recebeu uma caldeira inovadora concebida pelo inventor francês Marc Seguin - a caldeira flamotubular - nela os gases quentes da fornalha, arrastados pelo fluxo gerado pela diferença de temperatura e pressão entre a fornalha e o topo da chaminé,  atravessavam tubos imersos na caldeira antes de escaparem para a atmosfera. Com a caldeira flamotubular a troca de calor passou a ser feita com muito mais eficiência, elevando a capacidade de produção de vapor a um patamar muito mais elevado. O resultado é um aquecimento inicial da máquina, de fria até o ponto de operação, muito mais rápido e o rendimento térmico global muito superior.

Esquema de uma caldeira tubular. Fonte: Museu da Eletricidade




            O desenho funcional da nova caldeira ainda resultou no reposicionamento da fornalha para a parte anterior da caldeira com ganhos na facilidade de alimentação de carvão e redução na altura do centro de gravidade. A Rocket é considerada por muitos historiadores como o grande divisor de águas na história dos trens, sua configuração tornou-se referência e as estradas de ferros passaram a se multiplicar numa velocidade impressionante, tornando mais acessíveis lugares antes quase que isolados uns dos outros, levando mercadorias e pessoas.




EMBARCAÇÕES FLUVIAIS

Ilustração do vapor Clermont de Fulton. Fonte: Wikipedia
Há vários relatos de tentativas sem muito sucesso na aplicação da máquina a vapor a embarcações, antes mesmo do surgimento da máquina a vapor de Thomas Newcomen e da máquina a vapor de James Watt. O relato mais antigo parece ser das apresentações do navegador espanhol Blasco de Garay em 1543, em Barcelona. Mas, registros e descrições são incompletos.

Com o surgimento das máquina a vapor de Newcomen, alguns empreendimentos foram feitos, mas, o baixo rendimento térmico, a baixa relação potência/peso e o fato do motor originalmente não ser de movimento rotativo não permitia resultados atraentes. O aparecimento da máquina a vapor de Watt de movimento rotativo e de rendimento térmico comparativamente maior em relação a de Newcomen, ainda que modesto em valores absolutos, fomentou muitos empreendimentos de embarcação a vapor.

A primeira embarcação a vapor reconhecida como de êxito comercial foi o barco a vapor do americano Robert Fulton, o Clermont. O barco de Fulton era próprio para águas fluviais e fez sua primeira viagem em 1807, era propelido por rodas laterais acionadas por um motor a vapor do tipo Bouton e Watt. Transportava passageiros ao longo do rio Hudson entre New York City e a capital do estado de New York, Albany, chegando a percorrer os 240 km de distância entre as cidades em 32 horas no percurso rio acima, o percurso de volta foi realizado em apenas 8 horas.
 

Após o barco de Fulton muitas linhas fluviais passaram a ser exploradas por vapores. A roda de pás se tornou padrão. Haviam dois tipos concorrentes; o de duas rodas laterais, montadas uma de cada lado a meia nau, e o de roda traseira, uma única roda posicionada na popa. Esse segundo tipo passou a ser predominante após algumas tempo, principalmente por não aumentar a largura da embarcação, algo importante para a navegação em canais e rios estreitos.
 

Quanto a motorização, assim como aconteceu nas locomotivas, também no potenciamento de barcos em poucos anos os motores de Watt seriam abandonados em favor dos motores de alta pressão de Richard Trevithick e de Oliver Evans. Esses motores permitiram a máquina a vapor alcançar patamares de rendimento térmico e relação potência/peso  muito superiores às máquinas de Watt, dando um verdadeiro salto. O desenvolvimento dos motores de alta pressão foi um dos fatores que mais contribuiu para o sucesso da aplicação da máquina a vapor aos transportes tornando-os economicamente viáveis e competitivos. comparativamente à máquina original de Watt de potência equivalente eram muito mais compactos, leves e econômicos. Outro desenvolvimento muito importante foi a caldeira flamo tubular concebida pelo inventor francês Marc Seguin que aumentou em muito a eficiência da produção de vapor, chegando a praticamente dobrar os valores comparativamente às caldeiras simples.

 
É importante destacar que as vantagens que as máquinas de alta pressão trariam já eram percebidas pelos inventores há alguns anos. Entretanto, enquanto Bouton e Watt detinham a patente da máquina a vapor rotativa, que durou até 1800, obrigatoriamente todas as máquinas a vapor comercializadas tinham que obedecer seu esquema de baixa pressão e condensador separado. Watt e Bouton sempre se recusaram trabalhar com alta pressão alegando riscos de explosões e consequentes mortes.
 
No Brasil, os vapores também foram relativamente populares, cerca de 30 dessas embarcações operaram no rio São Francisco e afluentes num período de mais de um século e eram conhecidos por gaiolas. Atualmente o único em condições de operação é o Benjamim Guimarães que desde 2004 passou a fazer passeios turísticos partindo da cidade de Pirapora num trecho de aproximadamente 20 km.
O primeiro barco a vapor a navegar no rio São Francisco, o Saldanha Marinho, ainda está preservado, mas em terra firme, foi fixado em uma praça e atualmente funciona como ponto de informações turísticas na cidade de Juazeiro. Como curiosidade, foi o único de rodas laterais a operar no São Francisco.

Vapor Saldanha Marinho, primeiro a singrar o rio São Francisco. Fonte: portal Revista do Vale



NAVIOS MARÍTIMOS TRANSOCEÂNICOS


SS - Savannah, primeiro barco a vapor a cruzar o atlântico.  Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/SS_Savannah

 
A aplicação da máquina a vapor aos navios demorou bem mais que nas embarcações fluviais. Havia muitos motivos para isso. Entre elas, o baixo rendimento térmico dos motores de baixa pressão e das caldeiras existentes nos primeiros anos do Século XIX não permitiam autonomia para longas viagens; Os sistemas de propulsão através de rodas de pás não se mostrava muito adequado para mares revoltos pela perda de contato das pás com a água devido ao balanço da embarcação; A concorrência dos barcos a vela que apresentava menores custos, apesar da pouca regularidade no tempo dos trajetos.

Registros apontam que a primeira embarcação a atravessar o atlântico foi o SS (Steamer Ship) Savannah. Tendo saído do porto de Savannah, nos Estados unidos, em 24 de maio de 1819 e aportado em Liverpool 28 dias depois.

O SS Savannah, na verdade, foi concebido como um veleiro de 98 pés. Entretanto, após ser adquirido foi transformado em híbrido com a instalação de um motor a vapor auxiliar com transmissão de força por rodas de pás laterais, enquanto ainda estava no estaleiro. Ao que consta, durante a primeira viagem de travessia o motor a vapor - um Speedwell Ironworks, monocilíndrico de baixa pressão e potência nominal de 90 HP, só foi utilizado por 85 horas durante todo o percurso da viagem. Sendo utilizado apenas durante as calmarias e em manobras de entrada e saída de portos.

Ao que tudo indica, o SS Savannah não se mostrou rentável, após a travessia foi vendido, na ocasião seu sistema de propulsão a vapor foi desinstalado. A partir de então o barco passou a operar apenas como veleiro, vindo a naufragar em 1921.


VÍDEOS SOBRE O ASSUNTO DISPONÍVEIS NO YOUTUBE

 


Réplica da carruagem motorizada de Cugnot




Replica moderna da locomotiva de Trevithick


Replica da revolucionária locomotiva "Rocket"


Animação de como funciona uma caldeira tubular 

 Ônibus a Vapor inglês de 1932

Corrida de carros a vapor antigos 


PARA SABER MAIS...



Sobre a máquina a vapor

Sugiro o post de minha autoria neste mesmo Blog: Desenvolvimento dos Motores de Combustão Externa - do Aeolopito à máquina de Watt


Sobre geração de vapor 
Sugiro:

O post de minha autoria neste mesmo Blog: Geração de Vapor - A Função Vital e Arriscada da Caldeira e Seus Dispositivos.


A apostila do Professor da Unijuí, Luis Carlos Martinelle Júnior, disponibilizada no site Saúde e Trabalho: Geradores de Vapor, em http://www.saudeetrabalho.com.br/download/gera-vapor.pdf

E a apostila do Professor Carlos Alberto Altafini, Caldeiras, em: http://www.segurancaetrabalho.com.br/download/caldeiras-apostila.pdf



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